terça-feira, 11 de maio de 2010

Parto não natural e desumanizado


Uma gravidez não planejada começa necessariamente de forma surpreendente e pode tomar diversos caminhos diferentes, desde a aceitação passiva até a sua interrupção.

No meu caso, depois da surpresa e do medo, nada foi passivo. Nem para mim e nem para o Paulo. Aceitamos com alegria o fato de que seríamos pais e fizemos de cada momento da preparação do mundinho da Clarice um momento feliz, familiar, de união... Inclusive quando pensávamos no parto.

Meu desejo de ter um parto natural humanizado me conduziu até aqui, 39ª semana de gestação; eu não engordei mais do que o necessário, me preparei da melhor maneira emocionalmente para lidar com a dor e com o fato de que eu não teria controle sobre o momento em que isso aconteceria, planejamos juntos estratégias para que as pessoas respeitassem nossa privacidade nesse momento e para que tivéssemos a oportunidade de nos conhecer os três, antes que todos os sabe-tudo viessem tentar interferir, e combinamos que até nesses momentos seríamos suporte um do outro para minimizar as interferências.

Nós queremos, de fato, ser os pais da Clarice. E quisemos isso antes mesmo de existir a Clarice.

Todas essas coisas são públicas, ou seja, todas as pessoas que conviveram comigo durante a gravidez sabem. Já nem fico mais constrangida quando as pessoas pedem para ser avisadas do nascimento da Clarice e já vêm prevenindo que não vão perturbar, nem visitar na maternidade, querem apenas saber. E entre as pessoas que conviveram comigo durante a gestação, inclui-se a ginecologista que fez meu pré-natal.

A pessoa em quem eu mais deveria confiar nesse momento, me colocou na situação de tomar uma decisão muito, muito difícil.

Era de total conhecimento dela, desde sempre, meu desejo de ter meu bebê em um parto natural, via vaginal, nas condições mais favoráveis para mim e para a Clarice que ela pudesse garantir, uma vez que dentro de um hospital, o poder é dos médicos e, em minha opinião, ela deveria ser meu suporte nessa situação.

Ao longo dos 7 meses de pré-natal (descobri a gravidez com 2 meses) eu devo confessar que fui ingênua, porque não soube reconhecer os sinais que ela vinha me dando de que não respeitaria meu desejo. A fala mansa sempre com respostas inconclusivas, sempre na base do “vamos ver...”, me trouxe até essa sinuca de bico.

Tudo começou na 29ª semana, quando fiz uma ultrassonografia e constatou-se que a Clarice estava sentadinha. Esse foi o motivo para ela iniciar o discurso de “pra ti, parto normal nem pensar!”.

Mas vamos lá, gente, eu não sou nenhum Einstein, mas eu sei ler e tenho boa compreensão na leitura. Então fui pesquisar e me informar se todos os bebês assumem a posição cefálica (cabecinha pra baixo) 2 meses antes da data prevista pro seu nascimento. E descobri que não. Que é muito mais comum estarem sentados nesse período e que essa verificação é importante mesmo a partir da 34ª semana, mais ou menos.

Mesmo tendo questionado isso, dizendo à ela que eu ainda tinha esperança de que a Clarice adotasse a posição necessária para um parto normal mais seguro pra ela e confortável pra mim, a médica me disse que era muito raro acontecer depois da 30ª semana.

Mesmo tendo pesquisado, ainda me coloquei na posição de paciente e comecei a criar estratégias pra engolir a frustração e aceitar o FATO, a constatação de que não seria possível parir naturalmente.

Na 37ª semana fiz nova ultrassonografia, apenas para verificar a oxigenação e circulação da Clarice e fiquei mega-feliz quando o médico me falou que ela estava em posição cefálica, sem circular de cordão (que não impede o parto normal, mas é uma desculpa freqüente dos médicos) e com peso bom. Nesse dia a Clarice ganhou uma estrelinha no quadro de medalhas dela, por ter sido obediente e ter feito tudo o que o Paulo e eu pedíamos todos os dias pra ela fazer.

Querem saber se adiantou alguma coisa? Eu conto!

Nessa semana tive uma crise de hérnia de disco (minha hérnia lombar já é velha conhecida das pessoas que convivem comigo) e fortes contrações, tudo ao mesmo tempo. Fiquei preocupada, achando que a Clarice se apressaria e que eu não teria condições de parir naturalmente, pelo simples fato de não conseguir me movimentar. Fui ao consultório da médica que, ao tentar fazer o tal do toque para verificar o colo do útero, me disse a seguinte frase: “tu não podes ter filho de parto normal porque tua bacia é muito estreita e porque não tens perfil”, já que – em crise de hérnia lombar, deitada de peito pra cima, com 3,5kg a mais pressionando minha coluna – eu senti dor na hora do exame.

Eu tinha levado uma lista enorme de perguntas, a maioria sobre parto normal e resolvi fazê-las mesmo assim. E todas as possibilidades de parto normal eram uma tragédia, todas as respostas me conduziam à uma cesariana, que parecia uma maravilha de tão perfeita, com recuperação rápida e plena, tendo a possibilidade de retomar meus hábitos em até 15 dias depois da cirurgia e tudo de bom que vocês possam imaginar. Argumentos do tipo: eu sentiria dor desnecessariamente porque minha bacia é estreita e terminaria em uma episiotomia, que mesmo assim poderia ser inútil e me levar à cesariana. Em todos os cenários eu terminaria em uma cesariana.

Mulheres grávidas têm mais sensibilidade e querem, acima de tudo, sentir segurança, ter certeza de que seus bebês nasceram sãos e salvos. Eu não sou diferente. Fiquei meio estatelada diante daquilo e quando comecei a raciocinar de novo, já estávamos pensando em datas para a Clarice nascer.

Esse foi o golpe de misericórdia dela, que deve saber perfeitamente que a ansiedade é companheira de todas as horas das mulheres grávidas. Eu quero mais que tudo descobrir como a Clarice é, ver o rostinho dela, saber se ela tem cabelos, qual a cor dos olhos, colocar ela no colo, dar de mamar... E, como prêmio de consolação, ela me deu a possibilidade de escolher ter isso até o final dessa semana.

Depois de desestatelar, comecei a pensar em tudo e me senti totalmente enganada... Senti como se alguém tivesse duvidado da minha inteligência e da minha capacidade de entender as coisas e sacar as pessoas.

Como é possível avaliar as condições de parir de uma mulher que nunca pariu e que não está em trabalho de parto? Bacia estreita? O que é isso? E todos os hormônios que agem sobre o corpo na hora de parir, não fazem nada quanto a criar passagem para a criança sair? Considerando que é minha primeira gestação, que eu estou disposta a isso, que a Clarice tem tudo para nascer de parto normal, eu não deveria estar sendo incentivada a fazer isso? E perfil para parir naturalmente? No que isso consiste?

A sinuca de bico na qual me encontro é: estou com quase 39 semanas de gestação e preciso decidir se troco de médica, se tento – a essa altura do campeonato – confiar em outra opinião.

No momento em que toda mulher merece estar apenas esperando e curtindo a chegada do seu bebê, ela sabiamente me conduziu a uma difícil decisão, que tem me feito roer as unhas e perder horas preciosas de sono.

Queria dizer essas coisas pra ela...

Há ainda a pressão social; parte me incentivando a trocar de médico e a outra parte descrevendo todos os riscos de estar nas mãos de alguém que não me acompanhou e apontando para todos os contras da situação.

Tenho consciência que essa deveria ser uma decisão só minha. Mas também tenho consciência de que preciso de apoio. E, no fundo, gostaria que alguém brigasse por mim, em defesa da decisão que estou mais tendenciosa a tomar.

Me sinto frustrada e com medo.

Possivelmente na próxima semana vocês lerão algo sobre como foi o parto, pelo simples fato de que não tenho a firmeza necessária para peitar essa decisão.

Mas posso dar uma sugestão: se engravidarem tenham conversas francas com seus médicos nas primeiras consultas. Pesquisem com que freqüência eles realizam partos normais – se esse for o desejo de vocês, é claro – mas conheçam a prática deles, e pesquisem sobre o que se trata cada coisa que vocês não conhecerem; ouçam outras mulheres que já passaram pelos procedimentos e tomem decisões na hora certa.

Se um dia eu engravidar novamente, essa sugestão será meu mantra...